Hoje é o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial, sendo essa uma discussão indispensável para qualquer mudança rumo a uma sociedade igualitária.
Embora a população negra seja maioria no Brasil, as diferenças sociais são nítidas e sentidas na pele por milhões de brasileiros, todos os dias. Essas situações se fazem presentes desde a falta oportunidades de crescimento no mercado de trabalho até a falta de acesso à educação de qualidade e, principalmente, de educação antirracista. As discriminações disfarçadas de piadas e ditos populares revelam não só a falta de respeito para com as pessoas negras, mas também toda uma estrutura racista existente. Vale lembrar que, infelizmente, não são só as pessoas negras que são discriminadas por sua raça; pessoas de etnias não brancas também passam por situações criminosas ao redor do mundo, o tempo todo. Apesar disso, vamos focar, desta vez, a população que, racialmente falando, tem sido mais atingida no Brasil nos últimos séculos.
É papel de todos agir. Não basta apenas reconhecer nossos privilégios, ou ter amigos negros; precisamos ser antirracistas de fato! É preciso ir a manifestações quando possível, apoiar movimentos e projetos importantes, ler intelectuais negros e também apostar em ações práticas que revertam a histórica desigualdade racial brasileira em justiça.
Um passo importante nessa jornada é conhecermos algumas pessoas que fizeram e fazem a diferença nessa luta.
Djamila Ribeiro
É uma importante voz contemporânea em defesa dos negros e das mulheres. Filósofa, ativista social, professora e escritora, nasceu em Santos, São Paulo, no dia 1 de agosto de 1980. Foi destaque na revista Forbes, fechando o ano de 2020 com seu livro Pequeno Manual Antirracista, o qual foi o mais vendido do ano pela Amazon.
Djamila denuncia uma realidade brasileira cruel, que muitas vezes passa despercebida e é naturalizada. Ela traz à tona o racismo estrutural, que é herança dos tempos da escravidão e que condena, até os dias de hoje, a população negra a um determinado lugar social, com piores índices de desenvolvimento humano e fora dos espaços de poder.
Luiz Gama
Nasceu como homem livre, na Bahia, em 1830. Seu pai o vendeu como escravo e ele foi levado para São Paulo. Aos 17 anos, ainda escravizado, aprendeu a ler, escrever e fazer contas matemáticas. Fugiu para a cidade e, servindo às forças armadas, fez contatos que o ajudariam a iniciar seus estudos em Direito. Tinha grande paixão pelas letras; publicou livros e participou de diversos jornais nos quais denunciava violações das leis por parte dos representantes dos senhores, sentenças e erros cometidos por juízes e advogados. Também denunciava questões raciais do ponto de vista negro.
Gama foi um dos raros intelectuais negros na época do Brasil escravocrata. Mesmo não sendo “diplomado”, era advogado autodidata e possuía um documento que o autorizava a praticar o Direito. Ele dedicou-se, com afinco e gratuitamente, a libertar pessoas escravizadas de várias províncias do Brasil. Calcula-se que tenha conseguido alforriar, pela via judicial, cerca de 500 escravos.
Foi só em 2015 que a Ordem dos Advogados do Brasil concedeu a ele o título de advogado, reconhecendo sua importância como jurista. Em 2018, também recebeu o título de Patrono da Abolição da Escravidão do Brasil.
Além de conhecermos pessoas famosas e históricas importantes para essa luta, nós também podemos nos inspirar nas histórias de pessoas da nossa cidade e de nosso convívio. Convidamos uma pessoa muito especial para conversar conosco sobre o assunto. Confira, a seguir, a entrevista com Sara Araújo.
Debora Primo – VG Educacional: Conte a nós um pouco de você para que todes a conheçam, Sara.
Sara Araújo – Meu nome é Sara Araújo, tenho 43 anos, nasci em Salvador-BA, moro em Maringá-PR, sou formada em Direito, exerço a profissão, sou acadêmica de Ciências Sociais na UEM e sou beer sommelier. Em maio de 2018, por não ver pessoas negras em cargos de destaque no campo da cerveja artesanal, criei a página @negracervejassommelier (no Instagram) para questionar essas ausências. Lá, para colocar luz sobre a questão, levo bastantes livros de autores e autoras negras, a fim de fomentar o debate.
VG – Sara, você já se viu numa situação de discriminação racial? Caso deseje compartilhar conosco, poderia nos contar como isso aconteceu, em que ambiente isso se deu e como se sentiu com a situação?
SA – Na minha infância e adolescência, sofri muita discriminação, mas não entendia. Via todo mundo maltratando pessoas como eu, e não entendia. Somente na vida adulta é que tive consciência de que se tratava de racismo. Um fato que me marcou, e ainda dói, ocorreu no ano passado, quando fui atacada, dentro de um grupo WhatsApp, por diversos cervejeiros.
VG – Apesar de toda a discriminação racial e de todo o racismo estrutural que, como mulher negra, você vivencia, de que modo tem conseguido, aos poucos, romper com essas estruturas e se posicionar frente a situações de discriminação?
SA – Eu aprendi a erguer a minha voz, como nos ensinou bell hooks, e hoje consigo denunciar as violências impingidas ao meu corpo. Uso a minha voz para visibilizar as vozes invisibilizadas. É como diz a autora Lélia Gonzalez: “o lixo vai falar, e numa boa”.
VG – Você acha que é um dever de todes combater a discriminação racial? Como pessoas comuns podem fazer isso?
SA – Sim, dever de todas as pessoas, sobretudo das pessoas não negras ou tidas como não racializadas, uma vez que são as principais mantenedoras dessas estruturas, pois se beneficiam dela. Penso que atitudes como não se calar diante de uma violência e ler autores e autores que falam do racismo estrutural são caminhos.
Combater a discriminação racial é uma constante; devemos sempre nos lembrar de que é dever de cada um de nós. Não importa se não somos famosos ou não temos um alcance tal como uma personalidade histórica teve em sua época. Pessoas ditas “comuns” formam o mundo, e essas mesmas pessoas são capazes de mudar tudo, de maneira extraordinária.